Nessa visita, num dos armários da sala, estava um serviço de jantar, para apenas 6 pessoas. Um serviço que nunca ninguém tinha visto e muito menos usado, era para ocasiões especiais. Tão especiais, que nenhum de nós nunca o estreou, nem mesmo a avó Catarina.
“Catarina, uma avó de três netos, mãe de dois filhos e que faleceu em 2015. Nessa altura, a sua casa no Alentejo ficou fechada com tudo o que havia acumulado nesta sua passagem pela terra. Passados alguns meses, a sua filha Maria e eu, sua neta, fomos lá a casa para organizar tudo e ver o que se faria com todos aqueles objetos. Nessa visita, num dos armários da sala, estava um serviço de jantar, para apenas 6 pessoas. Um serviço que nunca ninguém tinha visto e muito menos usado, era para ocasiões especiais. Tão especiais, que nenhum de nós nunca o estreou, nem mesmo a avó Catarina.
– O serviço é para mim! – disse eu imediatamente.
Não houveram mais conversas. A minha mãe tinha um serviço para 12 pessoas (também para dias especiais) serviço que eu estreei ainda miúda, afinal, no meu mundo cor de Rosa, todos os dias eram especiais, bastava eu querer.
Na viagem de volta a casa eu e a minha mãe conversámos, acerca das canecas de cozinha, jarros, jarras e bibelôs, que a minha avó meticulosamente colava com cola de contacto e que nós revisitámos nesse dia. Rimos muito! Costumávamos brincar com ela, perguntando porque colava tudo, por vezes as colagens eram mesmo evidentes, pois faltavam pedaços, obras dignas de uma artista!
E foi assim que veio para minha casa o serviço de jantar Vista Alegre, comprado a prestações, com muito esfoço. Um serviço que tinha estado 30 ou 40 anos fechado num armário à espera de um dia especial. O mais curioso, é que um dos pratos mais pequenos tinha uma falhinha, fruto das duas mudanças de casa que a Dona Catarina tinha feito ao longo da sua vida.
E foi num dia especial, um dia comum, um domingo ao jantar que eu, o meu filho e o meu marido estreámos o (agora meu) serviço Vista Alegre. Foi sendo usado muitas vezes ao longo destes 9 anos.
Há um ano, após a minha separação, não sei se por existir alguma correlação com algumas das vivências da minha avó, passei a usar os pratos quase diariamente. Afinal, sendo para dias especiais, os dias são todos especiais!
Num dia especial, normal, após o jantar, estava eu a lavar a louça, a pensar na minha avó e em algumas situações que ela admitiu e que não devia. De repente, o prato escorrega, cai no chão e parte-se. Fiquei parada a olhar para os cacos. E agora! O serviço estava desfalcado, um dos pratos estava lascado e estava tudo certo, mas aqui não havia PATTEX que que o fizesse renascer dos cacos. Varri os cacos e, no momento que os ia deitar ao lixo, senti que os devia guardar. Afinal eram cacos Vista Alegre! E foi assim que comecei a pensar em como os iria transformar os cacos numa obra de arte, digna de representar o que significava para mim aquele serviço Vista Alegre, a minha avó e a sua história de vida.
Lembrei-me de Kintsugi, uma filosofia que sempre me fascinou, talvez dada a veia de colagem de bibelôs da minha avó. Esta filosofia era já por mim explorada, em alguns momentos, com os meus alunos de artes. Valorizar as imperfeições e aceitar. Criar uma nova peça, única. E foi assim, que há uns meses nasceu a ideia e esta peça que contém os cacos do prato e o pires da “lasquinha” que acabei por partir também.
Tinha agora, uma peça que era uma homenagem à minha avó e que representava o que a Vista Alegre sempre tinha sido para mim. Momentos de partilha de refeições e de histórias. Mesas bonitas, estética, elegância e espaços com significado. Risos e conversas pautas de realidade, lembranças, projetos e muita magia. Afinal, há mundos cor de rosa e, alguns deles, estão nas mesas postas a preceito. “
Rosvita Santana
